Gal Costa e Caetano Veloso estão na capa da edição 58 da Rolling Stone Brasil
Gal Costa e Caetano Veloso retomam em 2011 uma das parcerias mais duradouras, intensas e prolíficas da música brasileira – uma história de amor nascida nos anos 60 e que gera frutos até hoje
Gal Costa e Caetano Veloso estão na capa da edição 58 da Rolling Stone Brasil Leia abaixo um trecho da matéria de capa da edição 58 da Rolling Stone Brasil, nas bancas a partir de 8 de julho
BOSSA TOTAL A dupla, na época em que lançou o álbum Domingo, em 1967
Sentados lado a lado, cada um em uma ponta de um sofá bege de listras marrons no camarim de um estúdio fotográfico em Salvador (BA), Caetano Veloso, 68, e Gal Costa, 65, têm 50 anos de história para lembrar. Caetano senta-se reto, atento; Gal está à vontade, com as costas fundas no sofá. Passeando entre os muitos pontos de intersecção em duas carreiras sempre próximas e distantes, falam dirigindo-se tão frequentemente um ao outro quanto a mim, sentado em uma cadeira de frente para os dois. Enquanto reconstroem memórias em par, completam as frases mútuas com intimidade além daquela de namorados ou irmãos, mas de amizades que se orbitam, não importa quantas vezes o planeta gire. Se amizade é identificação, confiança, comunhão de raízes, empatia ilimitada, amigos são mais do que a família que escolhemos, são aqueles que continuam nos conhecendo quando mudamos.
(A partir da esq.) Gilberto Gil, Maria Bethânia, Caetano e Gal em apresentação do grupo Doces Bárbaros, que uniu o quarteto para um disco e uma turnê, em 1976
Alguém entra na sala, traz água de coco para Gal e sai. Caetano cruza as pernas embaixo de si, no sofá. Estamos aqui por uma ocasião especial: Caetano, vindo de uma fase especialmente carregada de frescor, depois dos discos Cê e Zii e Zie (e um ao vivo com Maria Gadú, vá lá), se viu tomado por inspiração para desencadear um processo semelhante com Gal, compondo todo um disco para ela e direcionando as gravações (se nada mudar, o álbum, previsto para setembro, deverá se chamar Doce). A última vez que ela entrou em estúdio para fazer um álbum foi em 2005 - Hoje, lançado pela gravadora Trama. O novo disco terá o apoio da gravadora Universal, que também lança os discos de Caetano e recentemente compilou os LPs de Gal gravados entre 1967 e 1983 em uma caixa com 16 CDs.
Gal e Caetano estão apreensivos, em pleno processo de finalização do álbum: faltam poucos dias para terminarem de registrar as vozes definitivas no estúdio de Carlinhos Brown, no Candeal. As bases já foram gravadas no Rio com a ajuda de Moreno Veloso - filho de Caetano e afilhado de Gal - e com participações de jovens músicos cariocas. Assim que o último rec virar stop, os arquivos de áudio ganharão mixagem, masterização, título e capa. Hoje, sábado nublado de junho, estamos na Bahia para falar do passado no presente - Bahia que já existia em mim através das músicas e agora se materializa no momento vivido e no cenário de lembranças do compositor e da cantora.
A dupla no Rio de Janeiro, em abril de 1978
"O Caetano para mim é muito importante por tudo que a gente viveu e conviveu", Gal começa. "Por tudo que ele compôs, tantas músicas que ele fez para mim, direcionadas a mim, falando para mim. Eu adoro as canções de Caetano. Ele é o compositor que melhor escreve para mim, para a minha voz, para mim mesmo. A gente tem uma identificação musical. Neste momento, Caetano fazer este trabalho comigo é maravilhoso. É muito importante historicamente e emocionalmente."
TEMPORADAS VARIADAS João Gilberto com Caetano e Gal, em 1971 - os devotos encontraram o mestre em um programa da TV Tupi
Caetano, propulsor da ideia há um ano e meio, quando pela primeira vez contou a Gal do novo projeto, explica que a vontade deste álbum nasceu de pensar na história da presença de ambos na música e na história da própria música brasileira. "Gal tem uma qualidade de emissão vocal muito especial e um papel histórico muito importante, e as duas coisas estavam relativamente subvalorizadas nos últimos tempos", reflete. "Tenho necessidade de ter uma visão histórica mais equilibrada, e isso me pareceu como uma necessidade para mim mesmo e tenho certeza que para os outros também. Então fiquei com desejo de fazer o repertório e produzir um disco todo para Gal. Me interesso muito por fazer este disco agora, para reequilibrar a visão histórica."
Gal, entretanto, deixa claro que em nenhum momento a ideia foi homenagear o que houve, mas sim o que ainda há para haver. "Não vai ter nada a ver com nenhum disco que eu já fiz na vida, nem com nenhum disco que ele já fez na vida", explica. "Vai ser uma coisa nova, repertório novo, tudo novo, mas é claro que tem a ver com passado porque a nossa história está impregnada na gente."
O foco criativo de Caetano Veloso, segundo ele mesmo diz, está agora no álbum que prepara para Gal Costa.
Com lançamento previsto para o primeiro semestre de 2011, o disco deve sair pela Universal -- mesma gravadora que reedita agora os 15 primeiros trabalhos da cantora, gravados originalmente entre 1967 e 1983, na caixa "Gal Total", que já está nas lojas.
"Quando Caetano me disse, depois de ver um show meu em Lisboa, que queria trabalhar comigo em um disco, não achei que fosse ser tão logo", diz Gal.
Moreno Veloso, coprodutor do trabalho, passa tardes na casa de Gal, em Salvador, tocando as canções ao violão, tirando tons, cantando as músicas novas com ela.
Mais da metade do repertório --canções inéditas, todas dele-- já está pronto. As que faltam estão "bem adiantadas", segundo Caetano.
"Há tempos, tenho um sonho de repertório e som para um disco com a voz dela", afirma o compositor.
Esse som, no entanto, não terá como referência a estética explosiva que pautou os trabalhos dos dois nos bons tempos tropicalistas.
"Naquele período, eu usava o grito como forma de expressão, fazia uns sons estranhos", diz Gal. "Eu me engajei no tropicalismo de coração, não intelectualmente. Nada do que fiz foi racional."
Caetano afirma que a sonoridade que planeja para Gal "não tem nada a ver com volta ao grito". Mas também não vai se apoiar no formato que a cantora vem adotando nos últimos trabalhos.
Para isso, pretende escalar o maestro Jacques Morelenbaum e o guitarrista Pedro Sá, ambos colaboradores assíduos de Caetano, para ajudarem na produção musical --o primeiro vai trazer os arranjos "clássicos", com naipe de cordas etc.; o outro dará a pegada roqueira.
Foto: Marisa Cauduro/Folhapress
A cantora Gal Costa em foto tirada em um hotel em São Paulo
METAMORFOSE
A caixa "Gal Total" flagra as muitas metamorfoses sofridas por Gal Costa a partir da estreia em LP, em 1967, com o bossanovista "Domingo" --em dupla com Caetano.
A partir dali, ela vestiria as personagens mais díspares.
Roqueira tropicalista (em "Gal Costa", de 1969), hippie psicodélica ("Gal", 1969, e "Legal"), musa da contracultura ("Fa-Tal", 1971), artista experimental ("Índia", 1973).
Em "Cantar" (1974) --também dirigido por Caetano, aliás-- Gal inauguraria o modelo que seguiria nos anos seguintes: a cantora-cantora, de técnica apurada, voz límpida e afinação perfeita, à maneira de Ella Fitzgerald.
Lançados quase anualmente até o fim do contrato com a gravadora, em 1983, os oito discos que completam a caixa apenas consagrariam --ou negariam-- a eficiência dessa personagem --última que adotou para si. Pelo menos até agora.
GAL TOTAL ARTISTA Gal Costa LANÇAMENTO Universal QUANTOR$ 310, em média (caixa com 16 CDs)
Sem gravar desde 2005, cantora lança caixa com 15 discos gravados entre 1967 e 1983
Gal Costa: quinze álbuns reunidos na caixa "Total"
Gal Costa andou relativamente silenciosa nos últimos cinco anos. Desde Hoje, de 2005, não voltou mais aos estúdios para gravar um álbum inédito. Neste 2010, a mudez começa a ser rompida com a edição da caixa "Total", que inclui 15 discos lançados pela gravadora Philips (atual Universal) entre 1967 e 1983. O ciclo se completará quando Gal lançar, 28 anos mais tarde, o disco de retorno à Universal, que está sendo preparado sob produção de Caetano Veloso e de seu filho Moreno Veloso.
"Vai ser um disco de canções inéditas de Caetano feitas para mim”, adianta, durante entrevista agendada em parceria com a Universal para divulgar o lançamento de Total, que custará em torno de R$ 90 e traz, como atrativos semi-inéditos dois volumes de raridades editadas originalmente em discos de festival, trilhas sonoras (como a do filme "Brasil Ano 2000", de 1969), trabalhos de outros artistas (como Erasmo Carlos, Maria Bethânia e Ney Matogrosso) e compactos da própria Gal (o que inclui as hoje pouco conhecidas versões de estúdio dos clássicos "Vapor Barato" e "Sua Estupidez", do disco ao vivo "Fa-tal", de 1971).
Gal desce para a entrevista num salão de hotel de São Paulo, onde tem passado alguns dias após o show de voz e violão que fez no Anhembi – morando em Salvador, não votou no primeiro turno das eleições. Está serena, mas reclamando de alergia e de pigarro. Conta que é internauta contumaz (“meu computador fica ligado o dia inteiro”) e constata: “No mundo de hoje a informação é tão rápida que, se você ficar um mês sem fazer nada, parece que você acabou, morreu, sumiu, desapareceu. Não dou bola para isso, sigo meu ritmo, que é o importante”.
Enquanto se prepara a parafernália de gravação, ameaça pouco falar: “Eu tenho preguiiiça, só se você me perguntar. Se me perguntar eu falo, se não me perguntar eu não falo”. Diante das primeiras perguntas, põe-se a falar pelos cotovelos, sobre o passado, o presente e o futuro.
Entrevista de Gal Costa a Pedro Alexandre Sanches
Consta que, no show que fez no Anhembi, você falou bastante entre as músicas, e uma das coisas que disse é que é tímida. Como assim? É, eu estou falando muito mesmo. Eu sou tímida. Sou menos, muito menos tímida hoje do que era no início. Mas uma coisa curiosa é que a gente vai mudando sem perceber, não é? A vida nos leva a mudar, a transformar, e foi o que sucedeu. Eu quase não falava. No começo da minha carreira eu não dizia nem boa noite, não falava nada.
Isso só no palco, ou na vida também? No palco, mas na vida também falava pouco. Era tímida bem lá atrás. Posso dizer que ou tímida, mas mais do que tímida sou uma pessoa zen. No palco hoje sou muito falante, mas alante de uma maneira espontânea. O que aconteceu no palco é que fico muito à vontade, mas muito à vontade mesmo, e falo o que vem na minha cabeça. Se alguém fala alguma coisa na plateia eu respondo, há uma interação. Sou até engraçada no palco, as pessoas riem comigo por várias vezes. É uma mudança mesmo que aconteceu, e eu não sei lhe explicar como. Comecei a fazer esse show de oz e violão, que exige uma comunicação com a plateia. Você não pode ficar num palco com um violão e muda. Isso também forçou um pouco a ter essa postura.
Como é a timidez na sua vida, fora do palco? Ah, não sei. A minha vida fora do palco não é diferente da minha vida no palco. Quando entro no palco há uma transformação mesmo. Posso estar com alergia e a alergia vai embora. Posso ter um pigarro e o pigarro desaparece. Não sei o que acontece, o palco é uma coisa milagrosa, que mexe com o metabolismo da gente. É misterioso, algum cientista algum dia explicará isso.
O palco, então, é remédio para timidez, pigarro, alergia? Para tudo (ri). O palco é muito bom. Mas essas mudanças são muito agradáveis. É muito bacana constatar que você mudou. Você de repente se vê mudada, transformada, e isso é muito bom, muito legal. E é a vida que traz isso, que dá esse presente para a gente, quando a gente está aberta para receber.
Que outras transformações você sofreu? Ué, eu não sei dizer no quê, mas a gente se transforma. Você também está mais gordinho, está mais bacana (ri).
No livreto da caixa "Total", você afirma que preferia não ter saído da Philips (hoje Universal), e é essa gravadora que está lançando a caixa. Eu preferia mesmo ter continuado. Na época se ofereciam luvas em dinheiro para os artistas saírem de suas gravadoras. A RCA queria mudar de cara, Manolo Camero assumiu a presidência da gravadora e me ofereceu uma luva. Sentei com Roberto Menescal (diretor artístico da Philips), disse que preferia ficar, porque minha história tinha sido lá desde o começo. Ele me disse que não poderia cobrir a oferta. Depois ele mudou de ideia, mas eu já tinha empenhado minha palavra. Fui para a RCA, que levou também Chico Buarque e Maria Bethânia.
Pode falar um pouco sobre o volume de raridades que foi incluído na caixa "Total"? Tenho que ter meus óculos para ver o repertório. (Põe os óculos, folheia o encarte do CD.) Essas fotos são muito bonitas. "Dadá Maria" (1967) foi gravada ao vivo com Renato Teixeira, mas cantei também com... Silvio Cesar? Cantei ou não? Acho que sim. "Bom Dia" (1967) é linda, gravei em estúdio com Gil me acompanhando, se não me engano. "Domingo Antigo" (1968), é engraçado... Eu não lembro dessa gravação... Não reouvi nada ainda. "Acho Que Vou-Me Embora" (1968) eu conheço, acho bem bacana, de Sidney Miller. "Canção da Moça", "Homem de Neanderthal" (do filme Brasil Ano 2000, de 1969) também, não lembro dessa gravação com Bruno Ferreira.
Quem é Bruno Ferreira? Eu não sei quem é, nem lembro. "Show de Me Esqueci", com Bruno Ferreira e Ênio Gonçalves, olha só que loucura. "Sem Grilos", "Acorda pra Cuspir" (1974), essas músicas eu gravava em compactos simples para o carnaval da Bahia, quando Caetano Veloso compunha para o carnaval baiano. Não tocavam aqui no sul, não. Eu fazia os compactos e a Philips mandava para o Nordeste. Nas rádios de Salvador e no trio elétrico tocavam.
Aqui no sul mal circulavam? Aqui não circulavam. Não sei nem se naquela época tinha carnaval em São Paulo, tinha? Acho que não (ri). O Rio tinha carnaval, mas não tocava.
Outra canção ali é "Modinha para Gabriela" (1975), tema da novela Gabriela. No livreto você diz que foi convidada pela Globo para interpretar Gabriela. Como foi isso? Fui. Daniel Filho chamou primeiro a mim para fazer o papel da Gabriela. Mas eu fiquei com medo. Se eu tivesse naquela época o temperamento que tenho hoje, talvez aceitasse. Mas achei que, não, não sou atriz, sou cantora, não vou fazer. E então cantei a música e a Sonia Braga fez a novela. Na verdade, talvez o espírito e a personalidade da Gabriela parecessem mais comigo.
Por quê? Mais pura, mais... Tenho essa coisa de pureza, até hoje. Mas não sou atriz.
Que lembranças lhe ocorrem vendo a capa de seu primeiro disco, de 1967, com Caetano Veloso? A lembrança que mais me ocorre aqui (manuseia a capa da reedição em CD) é a dificuldade que a gente teve de gravar. A gente dormia muito tarde e acordava muito tarde, e o horário que nos sobrou era o horário da manhã. Eram três turnos de estúdio: pela manhã, que começava às 9 horas, à tarde e à noite, e nós ficamos com esse das 9 da manhã. As grandes estrelas ficavam com os horários da tarde e da noite, e nós de manhã. Era difícil acordar cedo, ir lá, gravar, cantar, estar com a voz legal. Mas a gente fez. É superbacana, depois de anos, olhar isto aqui, porque é o primeiro disco, eu e Caetano juntos. Você vê que tem uma identificação, também por tudo que ele passou, tudo que eu passei – durante o exílio dele fiquei aqui, minha imagem se parecia muito com a dele. E também pela nossa identificação musical, que vem através de João Gilberto.
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"Para os caretas, cabeludo era quem tinha piolho"
Em entrevista, Gal Costa fala sobre o disco que está gravando com Caetano e relembra os anos 1970
Foto: Augusto Gomes
Gal Costa no palco, acompanhada apenas de um violonista
Na segunda parte da entrevista, Gal Costa conta (poucos) detalhes sobre o trabalho de músicas inéditas que prepara com Caetano Veloso e relembra as reações negativas, por vezes agressivas, que a eclosão do movimento tropicalista (em 1968) causou a ela e aos parceiros.
“Começou a juntar gente, gente, muita gente, que começou a me chamar de macaco, cabeluda, piolhuda”, relata um incidente quando participava de uma filmagem no centro do Rio de Janeiro. “Não era fácil andar pelas ruas do Rio.” Mas ela seguiu andando, e relembra quatro décadas depois a resistência exercida sem intenção deliberada, a partir das chamadas “dunas da Gal”, na praia de Ipanema.
Você e Caetano estão trabalhando juntos de novo, a identificação de vocês se mantém a mesma, desde os anos 60? Estamos trabalhando juntos, fazendo um disco. Ele e Moreno estão produzindo meu disco novo. Não posso falar muito, a única coisa que posso dizer é que ele está compondo todas as músicas. Vai ser um disco de canções inéditas de Caetano feitas para mim. Ninguém neste país faz música melhor para mim do que Caetano, vide "Errática" (1993), "Minha Voz, Minha Vida" (1982), lindas e feitas para mim. Ele já compôs seis canções, já tiramos a tonalidade, estamos trabalhando nas bases e arranjos, ele está compondo mais. Dizer mais seria leviano da minha parte. Está sendo construído, muito no comecinho.
O livreto fala de uma “celeuma” porque você e Caetano foram ao programa Jovem Guarda cantar "Coração Vagabundo", mas na última hora a apresentação foi cortada do roteiro. Como foi isso? (Ri.) Eu não lembro, sabia? Pode ser que Caetano lembre. Marcelo Fróes (produtor da caixa) me falou isso, mas não lembro. Memória...
E o segundo disco ("Gal Costa", de 1969), que lembranças lhe traz? Foi depois que cantei "Divino, Maravilhoso" no festival da Record (de 1968). Fiz logo em seguida a um show no Teatro de Arena, aqui em São Paulo. Parte desse repertório é daquele show.
Por muitos anos, você manteve esse hábito, de testar as músicas primeiro nos shows e depois gravá-las em disco. Por quê? Isso aconteceu também lá na década de 1980, quando fiz primeiro o show "Fantasia", no Canecão, e depois veio o disco "Fantasia" (de 1981). Não foi bem, porque houve uma grande sabotagem. Eu nunca havia falado disso antes. Foi produzido musicalmente por Guto Graça Mello, que me sugeriu a banda do Lincoln Olivetti, com quem a imprensa implicava. Bem, Lincoln fez os arranjos, ensaiamos bonito. Tinha uma pessoa de dentro do Canecão que queria pilotar a mesa de som, mas quem pilotou foi o Moog Canázio, que na hora do show chegou em frente à mesa, e ela estava toda desmarcada. Tudo apagado, zerado. Moog refez tudo, mas, para surpresa dele, quando o show começou os canais estavam todos trocados. O canal da voz era o contrabaixo, o da guitarra era a bateria, o do piano era do vocal, e assim ficou um desastre. Então o show não fez uma carreira boa, mas Mariozinho Rocha (hoje diretor musical das novelas da Globo) era diretor musical dos meus discos e foi ao Canecão com o dono da Rádio Cidade, que ouviu "Festa do Interior" e disse: "Essa música é um hit, Mariozinho, vamos gravar". Gravei, com o arranjo do Lincoln, e foi um hit. Foi para o primeiro lugar na parada, e o Canecão começou a encher. Encerrei a temporada e fiz o disco, que foi a volta por cima, um dos meus discos mais vendidos.
Na capa do disco de 1969 você está com o figurino usado no festival de "Divino, Maravilhoso", não? Sim, esse visual foi construído muito por ideia de Dedé (esposa de Caetano à época), a gente enrolou meu cabelo, tinha uma roupa com um espelho imenso.
Trouxe vaias na apresentação da Record... Ah, trouxe. Eu tinha ensaiado com Gil, e Caetano não participou dos ensaios, não viu nada. Ele estava sentado na plateia, falou que quando viu quase caiu duro para trás, tamanha a surpresa, tamanho o impacto de ver a minha transformação. Até então era aquela garota que cantava com voz doce, com um espírito joãogilbertiano. Foi uma guinada. E aí a plateia ficou muito dividida, entre vaias e aplausos (foram muito vaiadas também "É Proibido Proibir", com Caetano, e "Questão de Ordem", com Gil). Foi muito importante para mim aquele momento, como artista – minha postura no palco, como me relacionei com aquela coisa. Eu olhava na cara das pessoas que vaiavam, e realmente tinha uma força tudo aquilo que eu dizia.
Olhava de propósito, em desafio? Claro. Como postura, como atitude, foi importante para mim.
Naquele momento os tropicalistas estavam se impondo, causando impacto, e também assustando a plateia, não? É, lembro que tinha uma mulher em pé, vaiando, e eu fui com o dedo assim (aponta) para ela, e falando o texto, e ela recuou (ri). Lembro que ela recuou e sentou, isso é uma imagem que não me sai da cabeça. Ficou marcado na memória.
A tropicália revolucionava comportamentos, misturava a questão racial, com Gil, e a sexual, com você e Caetano, todos cabeludos. Era um susto que vocês estavam causando?
A forma de se vestir, o jeito, as canções também eram novas. "Alegria, Alegria" (1967) é uma canção totalmente nova, né? Quando Caetano cantou para mim, recebi aquilo como algo novo. Não era só o comportamento, o cabelo, a roupa. Era também a música, a poesia, a maneira de compor. Tudo era novo ali.
Cantar "atenção, tudo é perigoso/ tudo é divino, maravilhoso”, “é preciso estar atento e forte/ não temos tempo de temer a morte", em 1968, era um discurso forte e desafiador, não? Você ainda canta essa música? Canto, inclusive nesse show de voz e violão. É muito legal, tem uma levada bacana, uma marcação que a plateia marca junto. Não cantei no Anhembi não sei por quê, é um lugar perfeito, São Paulo, né?
Ainda em 1969 você lançou mais um disco ("Gal"), que foi também o último do movimento tropicalista. Esse acho o mais radical, ou talvez o único radical mesmo. Ele tem um lado que na época eu dizia: "É intocável". O lado A é tocável, o B é mais experimental, de canções em que grito, "Pulsars e Quasars", por exemplo, "Objeto Sim Objeto Não", "The Empty Boat", "Com Medo, com Pedro". Esse lado é totalmente experimental, psicodélico. Gosto muito desse disco, é ousado. A própria gravadora se assustou na época, mas é isso que está registrado. É o impulso, é a criação, é verdadeiro.
Por que você ficou radical nesse momento? Esse lado que chamo de psicodélico é o mais radical mesmo. É porque era um momento muito difícil. Aquele grito era como se... Eu sofri muito durante esse período, segurando essa onda toda. Sofri muito. Era uma forma também de expressar isso, botar para fora esse sofrimento e ao mesmo tempo gritar, reclamar de tudo, contra tudo que estava ali, aquele caos, a ditadura, o exílio deles. Foi o disco que realmente revelou bastante isso, de uma forma radical.
Você sofria muito preconceito, por ser hippie, cabeluda, mulher? Na cabeça das pessoas, entre aspas, caretas, quem tinha cabelo grande era quem tinha piolho e não tomava banho. Antônio Carlos Fontoura fez um filme comigo, nunca esqueço, nós fomos filmar no centro do Rio de Janeiro. Eu fiquei dentro da Kombi enquanto ele ajeitava a luz. Começou a juntar gente, gente, muita gente, que começou a me chamar de macaco, cabeluda, piolhuda. Do nada, do nada, do nada. A gente teve que sair de lá. Não era fácil andar pelas ruas do Rio. Porque eu andava a caráter (ri), com essas roupas (aponta para fotos da época), com o cabelo, como eu era. Não era fácil. Lembro que uma vez eu estava dirigindo um carro – eu dirijo muito bem, gosto de dirigir –, aconteceu alguma coisa boba, o cara passou e deu uma fechada, e eu fiz um gesto qualquer, coisas que acontecem normalmente no trânsito. Eu tinha mandado revelar uns filmes – gostava muito de fotografar, tinha uma Pentax, várias lentes –, parei para pegar as fotos, e de repente esse homem com quem tive um desentendimento leve parou atrás de mim. Bateu no vidro do carro, um Fiat vermelho importado que eu tinha. Eu abaixei o vidro, olhei para ele, ele disse: "Por que você fez isso?". Eu tinha feito qualquer gesto obsceno. Falei: "Porque eu quis". Ele me deu um tapa na cara! E me disse assim: "Ponha-se no seu lugar de mulher".
Era essa a questão, então? Cara, eu peguei o carro, liguei o motor, saí atrás desse homem. Ainda bem que o sinal abriu e ele conseguiu escapar, porque eu ia arrebentar meu carro. Eu sou um doce, mas sou muito brava quando as pessoas me agridem. Mas acontecia isso, e era por quê? Era pela minha imagem, né? Não é fácil andar nas ruas, não.
Você era um ímã para preconceitos? Machismo, racismo pelo cabelo black power, a sexualidade... É. Era difícil. Eu estava de peito aberto, mas era difícil, eu sabia que era difícil. Saía numa boa com minhas roupas. Passei a frequentar aquele espaço onde eu ia com Jards Macalé e que acabaram denominando as Dunas da Gal. Ali havia uma obra, então era uma praia que as pessoas não frequentavam. E virou um reduto, um reduto de pessoas que se comportavam e se vestiam como eu, que se identificavam com aquela linguagem. Virou meio que um ponto turístico, as pessoas iam para ver (ri).
Você era uma líder dessa movimentação? Eram as dunas "da Gal"... Eu era líder sem ao mesmo tempo atuar como líder (ri). Já ouvi muita gente dizer que as pessoas ficavam ali na praia e só saíam quando eu saía. Eu ia embora na hora do pôr do sol, as pessoas esperavam, quando eu saía todo mundo ia embora. Mas eu não liderava, não tinha essa postura de ser a líder. Simplesmente estava ali, era a líder porque era eu.
Falando no homem do trânsito, "Meu Nome É Gal" é uma grande música de Roberto e Erasmo Carlos, mas tem um quê de machista, "desejo me corresponder com um rapaz que seja o tal", não? Não. Não acho machista. Rebelde era minha postura, meu cabelo, minha maneira de vestir. Na realidade não era nada demais, era apenas o cabelo e uma roupa. É muito importante essa música, e é linda. A gravação de "Gal Tropical" (de 1979) foi a que ficou mais exposta, porque aquele show foi um grande sucesso, ampliou meu público, e havia aquele duelo da voz com a guitarra, que não havia naquela primeira versão.
Você pediu essa música para eles? Eu pedi, eu sempre pedia. Mas o tema eles fizeram porque quiseram.
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"É bom que tenha segundo turno, as pessoas vão refletir mais"
Na última parte da entrevista, Gal Costa fala sobre ser mãe e a eleição presidencial
Foto: Augusto Gomes
Gal Costa se apresenta no Anhembi, em São Paulo, no início de outubro
Hoje com 65 anos, a baiana Gal Costa só se tornou mãe após os 60, ao adotar o também baiano Gabriel, atualmente com cinco anos. Falando sobre o filho, comenta a adoção, conta que readquiriu o álbum "Gal Canta Caymmi" (1976) por causa dele e se emociona ao explicar como se sente quando canta para fazê-lo dormir. “Engraçado é que quanto mais concentrada eu estou mais rapidamente ele dorme. É muito bom”, diz.
Timidez à parte, Gal se mostra aberta e fala pelos cotovelos durante a cerca de uma hora de entrevista. Antes de encerrar, ainda tece suas considerações sobre Marina Silva e sobre a eleição presidencial de 2010.
O livreto diz que entre as fotos da capa de Legal (1970), criada por Hélio Oiticica, havia a
de um preso político da ditadura? Era um amigo de Hélio que está por aqui (ela procura a foto na capa, não encontra), eu até esqueci o nome dele. Ele estava preso, não sei nada dele hoje. Quero reouvir essas músicas todas, vou reouvir, do primeiro ao último disco.
Não costuma fazer isso de vez em quando? Costumo, mas acredita que não tenho nenhum disco meu em casa? Os meus vinis, logo que chegou o CD, eu dei, você acredita nisso? Tinha meus vinis e dei, burra que eu sou.
O que é isso, um desapego?
Não é desapego. Achava que, porque chegou uma nova tecnologia, eu não precisava mais daquilo. Eu tinha milhares, não sabia que o vinil ia virar uma preciosidade anos depois.
Não tem suas músicas nem no seu computador, em MP3? Não, não tenho. Eu tenho só um CD meu lá em casa, sabe por quê? Porque entrei numa loja com meu filho, onde foi mesmo, Gal? Não lembro, era algum lugar que tinha uma estante de CDs, ele viu e falou: "Olha, mamãe, é você, compra". É o "Gal Canta Caymmi" (de 1976), esse eu tenho lá em casa.
Como é nome do seu filho? Gabriel, lindo. Tem cinco anos, uma coisa. Eu canto para ele dormir. Canto muita música do Caymmi, coincidentemente. É um momento muito especial para mim, porque é uma pureza. Nesse momento meu canto sai puro, me lembra os primeiros tempos, o começo, quando eu estudava na minha casa a emissão da voz. Quando ouvi João Gilberto no rádio eu reaprendi a cantar, ia para o banheiro e ficava aprendendo a emitir a voz como João. Me lembra tudo isso, e o canto sai leve, suave, puro, amoroso. É um momento de concentração, muito bonito. É um amor imenso, tenho um amor por ele como se ele tivesse saído de mim. Digo que ele veio numa barriga de aluguel, porque é muito parecido comigo. Fisicamente se parece muito com a família do meu pai. E ele tem um espírito, uma alma parecida com a minha. É doce, inteligente, muito inteligente. Tem uma memória impressionante, parece a de Caetano (ri).
Como foi a adoção? Eu sempre quis ter filhos, e não pude ter. Não é que não quis ter, eu tenho as trompas obstruídas, não deu para ter. Minha mãe queria que eu adotasse, me pedia muito, e eu achava que filho tem que ser parido, mas não existe isso. Filho tem que ser amado, mais que parido. Quando você decide abraçar, adotar uma criança, o amor é muito maior.
Qual é o procedimento para adotar um fiho? Você vai procurar, tem que participar de encontros, fazer todas as etapas necessárias para ser mãe. Mas ser mãe é um dom. Eu nasci para ser mãe e cantora, as duas coisas.
Você tinha alguma relação especial com "Assum Preto" (do disco "Fa-tal", de 1971)? É uma música do Luiz Gonzaga sobre liberdade... Eu já tinha cantado antes, fiz um show aqui em São Paulo onde eu cantava encostada numa parede, num teatro de arena, era muito incrível, só com o contrabaixo. É muito triste essa música. Fatal é um disco muito emblemático, uma declaração de amor, uma homenagem muito a Caetano. Foi na volta deles.
E sobre a capa de "Índia" (1973)? Não dá para imaginar ela circulando no auge da ditadura militar. (Ri.) Essa capa foi proibida na época. A Censura proibiu duas coisas nesse disco: a capa, que só permitiu ser vendida nas lojas dentro de um invólucro preto, de plástico, e a música de Luiz Melodia, "Presente Cotidiano", que também foi proibida em princípio, e depois eles liberaram.
O que tinha nela para ser proibida? Vai perguntar a eles (ri), eu não sei. Depois foi liberada. Esse disco é bem legal, foi feito depois do show também. Foi assim: Caetano e Gil chegaram de volta do exílio na época quando Fatal estava acabando. Assim que eles chegaram, resolveram que Caetano ia dirigir o show Índia e Gil ia fazer a direção musical. Caetano foi para a Bahia e não voltou, acho que ficou com preguiça de voltar (ri). Aí mandou uma fita cassete com algumas ideias de repertório, até ideias cênicas. A música "Índia" foi uma sugestão dele. E a gente então trabalhou, eu, Gil, a banda toda. A gente fotografou e foi criando a capa, tem foto de show, com a roupa original do Índia – depois eu usei uma outra roupa vermelha, aberta para as pernas aparecerem.
Você tem sangue índio? Se eu tenho? Não, não. Não que eu saiba. Tenho sangue português, por parte da minha mãe, e tenho um certo pé na África, por parte de meu pai. Tenho parentes da parte dele que chegam a ser mulatos.
Você falou uma vez numa entrevista que, quando pequena, andava na rua perguntando "você é meu pai?" para as pessoas. (Ri.) É porque eu não tive nenhuma relação com meu pai. Minha mãe se separou dele, e eu não tive relação com meu pai. E eu tinha vontade de ter um pai, né? Então às vezes eu aprontava essa, "esse é meu pai?", "ó o meu pai"… Não pensando que podia ser, mas perguntando se ele queria ser: "Eu quero ter um pai, você quer ser meu pai?". (A assessora de imprensa da Universal, Hercilia Castro, começa a pressionar para encerrar a entrevista.)
Escolhe um último disco para comentar? Vou falar nisto aqui (pega "Água Viva", de 1978), sabe por quê? (Vasculha as capas todas.) Eu adoro este aqui também (pega "Cantar", de 1974), é lindo.
Então pronto, fala dos dois. Quem inventou a capa de "Água Viva" fui eu, porque é uma coisa de sair da água, como se eu estivesse saindo da placenta, como se fosse um nascimento, um renascimento.
Tem ali uma música de Caetano, chamada "Mãe", que é maravilhosa… A gente está sempre renascendo, no sentido de se transformar, e eu acho importante, e é uma coisa que acontece comigo graças a Deus. Por isso resolvi escolher essa capa. Mas Cantar também um disco muito especial, muito lindo. Nossa, não sei nem… Essa gravação de "A Rã" (de João Donato e Caetano) eu amo. Acho que nunca mais eu vou conseguir cantar com essa…
"Nunca mais vou conseguir cantar…", como é? Não, assim, porque ouço essa gravação, é claro que eu consigo, mas tem uma pureza no canto… angelical. Tem uma pureza angelical que eu não sei se tenho mais. Talvez eu tenha, né? Mas é linda, essa música é linda, e é uma letra nova que Caetano colocou para eu gravar, o que é muito importante, numa canção gravada pelo João Gilberto. Eu adoro essa gravação de "Canção Que Morre no Ar". "Lua, Lua, Lua, Lua", que Caetano compôs, belíssima. "Flor de Maracujá", é tudo bonito aqui. (Hercilia encerra a entrevista, há mais jornalistas na fila.)
Você está animada com a eleição?
Eu, animada com a eleição? Não votei, porque estava aqui em São Paulo.
Mas agora tem segundo turno.
É, tem segundo turno. Eu acho bom que tenha. Não vou revelar meu voto, mas acho bom que tenha segundo turno, porque as pessoas refletem sobre tanta coisa que aconteceu durante todo esse período. É para refletir mesmo, é bom. Gosto muito da Marina Silva, acho que ela tem um discurso verdadeiro, passa pureza, espontaneidade. Li a crônica do Arnaldo Jabor no Estadão, ele fala dessa coisa dos dois candidatos, Dilma e Serra, que fizeram campanhas tão diferentes à da Marina, enquanto Marina veio com o oposto do que eles eram naquele momento. Quando ela fala passa uma verdade, uma seriedade, uma consistência. E as pessoas entenderam e absorveram isso. É bacana que ela conseguiu dividir, e as pessoas vão refletir mais, vão pensar mais.
O que o homem que lhe deu um tapa na cara há 40 anos deve pensar de termos duas mulheres concorrendo à presidência em 2010?
Ele já deve ter morrido (risos), era muito mais velho do que eu. Devia ser um militar qualquer, à paisana, terrivelmente machista, uma coisa horrorosa. O mundo futuro é das mulheres – sem querer ser… machista.
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Clássicos de Gal Costa voltam em caixa com 15 álbuns
Gravados entre 1967 e 1983, discos trazem o essencial da carreira da cantora; ouça dez músicas da caixa e vote na sua favorita
Meses depois de Jorge Ben e Ney Matogrosso, é a vez de Gal Costa ser encaixotada. A cantora baiana acaba de ter seus quinze primeiros discos reunidos no box "Total". Além desses álbuns, a caixa ainda traz um CD duplo com raridades - canções lançadas apenas em compacto, duetos com outros artistas, músicas feitas para o cinema. Se não resume toda a carreira da cantora (o período coberto vai de 1967 a 1983), traz o essencial de sua obra. "Baby", "Folhetim", "Tigresa", "índia"... está tudo lá. No infográfico acima, é possível ouvir trechos de essas e outras canções de Gal. No texto abaixo, a artista comenta os discos.
"Domingo" (1967, com Caetano Veloso)
Ainda relativamente desconhecidos, Gal e Caetano cantam juntos "Coração Vagabundo", "Domingo" e
"Zabelê". Ela canta sozinha cinco canções, e ele, quatro. "Escolhemos o repertório juntos, Caetano adorou todas as músicas que escolhi. Foi uma oportunidade de a gente fazer alguma coisa, foi ótimo ter feito com ele", diz Gal.
"Gal Costa" (1969)
"Tocou muito a música do Jorge Ben, "Que Pena", que gravei com Caetano. Aí fui chamada pela boate
Sucata para fazer um show lá. Tinha cenário de Hélio Oiticica, os músicos ficavam dentro de uma coisa de filó, e na frente do palco ficava comigo o (percussionista) Naná Vasconecelos, que é um músico performático." Totalmente impregnado do espírito tropicalista, o disco inclui canções de Caetano ("Não Identificado", "Saudosismo" e "Baby"), Gil ("A Coisa Mais Linda Que Existe"), Tom Zé ("Namorinho de Portão"), Roberto e Erasmo ("Se Você Pensa" e "Vou Recomeçar") e um coco extraído do repertório de Jackson do Pandeiro ("Sebastiana").
"Gal" (1969)
Considerado por ela seu disco mais experimental, inclui "Cinema Olympia" (de Caetano), a primeira versão de "Meu Nome É Gal" (de Roberto e Erasmo), "Tuareg" e "País Tropical" (de Jorge Ben), essa última mais popular à época na voz de Wilson Simonal. "A nossa tocou bem na rádio. Gil e Caetano gravaram essa música comigo, se eu não estou enganada, no dia em que estavam indo para Londres, ou qualquer coisa assim."
"Legal" (1970)
"É um disco experimental, mas não tanto quanto o anterior." No repertório, há uma versão tropicalista do iê-iê-iê "Eu Sou Terrível" (de Roberto e Erasmo), uma releitura do baião "Acauã" (do repertório de Luiz Gonzaga) e inéditas enviadas do exílio por Caetano ("London, London" e a carnavalesca "Deixa Sangrar") e Gil ("Língua do P" e "Minimistério").
"Fa-tal – Gal a Todo Vapor" (1971)
"O show foi dirigido por Waly Salomão e gravamos ao vivo, tem "Fruta Gogoia", "Charles Anjo 45", sugestões de Waly para introduzir outras canções, "Como Dois e Dois", "Falsa Baiana", "Antonico". Nessa época eu conheci Ismael Silva (compositor de "Antonico" e um dos inventores do samba carioca), ele foi na minha casa. Era um senhor já, imagina eu cantando Ismael Silva, ele um compositor do morro... Gostei muito de conhecê-lo. "Dê um Rolê" era dos Novos Baianos. Waly me apresentou a Luiz Melodia e eu gravei "Pérola Negra". "Como Dois e Dois" Caetano fez para Roberto Carlos e eu gravei também." A inédita "Vapor Barato", de Waly e Jards Macalé, é o marco histórico de Fatal.
"Índia" (1973)
"Dominguinhos tocou pela primeira vez nesse show numa área musical diferente da que ele costumava trabalhar. Toninho Horta era um músico novo que estava surgindo, tocou no palco pela primeira vez comigo." Gal reinterpreta Cascatinha & Inhana (que em 1952 haviam gravado uma versão em português de "Índia", uma guarânia paraguaia), Lupicinio Rodrigues ("Volta"), Tom & Vinicius ("Desafinado") e folclore português ("Milho Verde", recriada pelo diretor musical Gilberto Gil).
"Cantar" (1974)
"Caetano foi o produtor, e os arranjos são do João Donato, lindos. Adoro essa gravação de "Até Quem Sabe" (de Donato e Lysias Ênio)…" Caetano colocou letra em "A Rã", também de Donato, que João Gilberto havia gravado só cantarolando em 1970, com o nome O Sapo. A face "zen" de Gal ressurge e conduz a tranquilidade de "Barato Total" (de Gil), a simplicidade da canção de ninar "Chululu" (de autoria de sua mãe, Mariah Costa) e a tristeza de "Lágrimas Negras" (de Jorge Mautner e Nelson Jacobina).
"Gal Canta Caymmi" (1976)
Extirpada dessa reedição "por razões jurídicas", a capa original trazia uma Gal sorridente e amorosa abraçada a Dorival Caymmi, autor dos dez sambas que compõem o repertório em versões modernizadas, entre eles "Rainha do Mar" (1939), "Vatapá" (1942), "Pescaria (Canoeiro)" (1944), "Peguei um Ita no Norte" (1945), "O Vento" (1949), "Só Louco" (1955), "Dois de Fevereiro" (1957) e "São Salvador" (1960).
"Caras & Bocas" (1977)
Baseado na guitarra e em certo experimentalismo, é tratado por Gal no livreto como um disco "de entressafra", "vamos preencher esse buraco porque vem coisa lá na frente". No entanto, contém um grande sucesso ("Tigresa", composta por Caetano para Sonia Braga) e lances curiosos como "Negro Amor" (versão em português para o folk-rock "It’s All Over Now, Baby Blue", de Bob Dylan), composições pouco difundidas de Rita Lee ("Me Recuso") e Jorge Ben ("Minha Estrela É do Oriente") e a primeira composição gravada de Marina Lima ("Meu Doce Amor").
"Água Viva" (1978)
"Foi a primeira vez que eu gravei uma canção do Chico em mais de dez anos de carreira", afirma Gal no livreto, referindo-se a "Folhetim". Pela primeira vez, um disco da cantora vendia mais de 100 mil cópias, ancorado no sucesso de "Folhetim", "Olhos Verdes" (do repertório de Dalva de Oliveira), "Paula e Bebeto" (de Caetano e Milton Nascimento) e os baiões "O Gosto do Amor" (de e com Gonzaguinha) e "De Onde Vem o Baião" (de Gil).
"Gal Tropical" (1979)
Contém a versão mais conhecida de "Meu Nome É Gal", com o célebre duelo final entre voz e guitarra. "Isso é um grande barato, foi acontecendo durante os ensaios, e ficou uma marca incrível." Foram sucessos canções novas, como "Força Estranha" (composta por Caetano para Roberto Carlos), e regravações, como "Balancê" (do repertório de Carmen Miranda), "Noites Cariocas" (de Jacob do Bandolim) e "Estrada do Sol" (de Tom Jobim e Dolores Duran).
"Aquarela do Brasil" (1980)
Gal repete a fórmula do trabalho em homenagem a Dorival Caymmi, agora fazendo a arqueologia da obra musical de Ary Barroso, o que inclui a faixa-título (1939), "No Tabuleiro da Baiana" (1937), "Na Baixa do Sapateiro" e "Camisa Amarela" (1938), "É Luxo Só" (1957)
"Fantasia" (1981)
"Tinha "Meu Bem, Meu Mal" e "Tapete Mágico", que Caetano compôs para esse show. Tinha "Festa do
Interior", que era inédita, escolhida entre cinco canções numa fita que Moraes Moreira me mandou. Escolhi essa porque era a mais simples de todas." O disco traz ainda a antiga "Canta Brasil" (do repetório de Dalva de Oliveira), "Açaí" e "Faltando um Pedaço" (ambas de Djavan).
"Minha Voz" (1982)
Consolida-se a guinada rumo à MPB influenciada pelas linguagens pop dos anos 80, iniciada no disco anterior. "Bloco do Prazer", de Moraes Moreira, é o sucesso de perfil carnavalesco do LP. E há ainda "Azul" (de Djavan), "Dom de Iludir" e "Luz do Sol" (de Caetano) e a marchinha também carnavalesca "Pegando Fogo", lançada em 1939 pelo Bando da Lua, que acompanhava Carmen Miranda.
"Baby Gal" (1983)
Em seu disco de despedida da Philips, Gal regrava "Baby", a canção tropicalista que a marcara em 1968, em tom mais próximo à MPB e ao pop, com acompanhamento do conjunto Roupa Nova. E apresenta novas de Chico Buarque ("Mil Perdões"), Gil ("Bahia de Todas as Contas") e, claro, Caetano ("Sutis Diferenças").
"Ainda não ouvi esse disco, porque ganhei a caixa aqui em São Paulo. Me lembro de "Sua Estupidez", "Zoilógico" (1971), claro. "Acontece" (1974) foi gravado no teatro Castro Alves, em Salvador, num show de verão que fiz. "De Amor Eu Morrerei" e "Saia do Caminho", também. Essas canções são todas minhas conhecidas, não sei se dos fãs."O grande destaque são os brilhantes (e praticamente desconhecidos) temas de carnaval, como "Estamos Aí" (1972), "Barato Modesto" (1973), "Sem Grilos" e "Acorda pra Cuspir" (1974).
Caixa Gal total, com 15 discos gravados entre 1967 e 1983, recupera momentos especiais da carreira da cantora baiana, que já se prepara para lançar novo trabalho com inéditas
Distante do público desde a gravação ao vivo, em CD e DVD, do show Hoje, de 2007, Gal Costa retorna ao mercado fonográfico com a caixa Gal Total, da Universal Music, que reúne 15 discos gravados pela cantora em quase duas décadas de carreira (1967 a 1983), além de um álbum duplo de raridades especialmente montado pelo curador Marcelo Fróes. Da Gracinha estreante, que dividiu Domingo com o amigo Caetano Veloso, à diva reconhecida e estabelecida na indústria, de Gal tropical, passando pelo reinado absoluto da musa do tropicalismo quando, além de porta-voz de Caetano e Gilberto Gil , em exílio londrino, melhor se posicionou pessoal e musicalmente, o talento da baiana Maria da Graça Costa Penna Burgos se expõe por inteiro no projeto.
"Me reconheço em todas as épocas. É difícil dizer qual foi a mais importante. Todas foram, cada uma no seu momento. O importante é que tudo foi verdadeiro. Foram fases que vivi, um período muito rico. E também difícil, devido ao advento daditadura militar, ao exílio de Caetano e Gil", avalia Gal Costa. Aos 65 anos, em fase de pré-produção de CD de inéditas, produzido por Caetano e Moreno Veloso, Gal comemora a maternidade com Gabriel, filho adotivo de 5 anos.
"Ser mãe, independentemente de parir ou não parir, é de um amor imenso. A gente até se parece. É uma coisa maravilhosa, uma renovação, um aprendizado diário. É uma alegria ter uma criança por perto. É a coisa mais linda do mundo, não tem nada melhor do que ser mãe", empolga-se. Gal garante que sempre fez tudo na vida mais com o coração do que com a razão. Mesmo diante da ameaça da ditadura militar, com a qual teve de conviver. "Dava medo", reconhece, lembrando que depois de resolver ficar no Brasil, acabou indo muito à Europa visitar os amigos no exílio londrino. "Na época, trazia ou eles mandavam as músicas que eu gravava", recorda.
"Era um período difícil, porque havia censura", acrescenta. A cantora lembra das ameaças recebidas até mesmo pelo jeito que se vestia e se penteava. "Verbalmente, às vezes me agrediam na rua. Me chamavam de piolhenta. Me lembro que fui gravar um curta-metragem (Meu nome é Gal, de 1970) com o Antônio Carlos Fontoura e, durante uma locação no Centro do Rio, fiquei na Kombi, enquanto ele preparava a luz". "As pessoas foram chegando, cercaram o carro. Um bando de gente que começou a me chamar de macaca, piolhenta. Havia uma coisa agressiva com a minha imagem. Não era fácil andar nas ruas", admite a cantora.
Politicamente, Gal Costa também pagou um preço. "Tive problemas com Índia. A capa (com foto de Antonio Guerreiro) foi censurada e eles autorizaram a venda do disco em um invólucro de plástico preto. Além disso, censuraram a música de Luiz Melodia (Presente cotidiano), que depois foi liberada", recorda. Já no fim da década de 1970, quando atingiu sucesso comercial, via Gal tropical, disco-show com o qual ficou um ano e dois meses em cartaz, Gal começa a experimentar fase de transformação.
"Vinha da menina hippie - Me lembro que uma vez, a jornalista Ana Maria Bahiana me chamou de hippie rica - , com aquele jeito de me vestir. Aos poucos fui me transformando espontaneamente, naturalmente. Guilherme Araújo olhou para mim e disse: Vamos fazer um show, eu tenho uma ideia. Mas olha como você se veste. É um tipo de roupa que é mais parecido com o padrão . Ele disse que me queria maravilhosa como Ava Gardner, Rita Hayworth. E aí a gente escolheu o repertório do show, enquanto ele pensava no design da roupa, que foi feita pelo Guilherme Guimarães. Fizemos o show, que foi um sucesso", acrescenta a cantora..
Gal comemora a qualidade da voz, ainda cristalina: "A minha voz está perfeita, está ótima, brilhante. Uma criança com brilho. Eu só ganhei com o tempo, não perdi nada", diz. Ela explica que mesmo com o enriquecimento do grave, devido o avanço da idade, o agudo permanece. A propósito, a cantora cita o disco Gal como aquele em que ela mais abusou do consagrado timbre, que se transformou em verdadeiro grito de guerra. "Acho que é o mais radical de todos, porque tem um ladototalmente experimental. Uso o grito como uma expressão de protesto e desabafo. Na época já dizia: é um disco intocável. Não é para tocar no rádio. Só o outro lado é para tocar no rádio", lembra. Sobre o festejado encontro com Caetano, Gil e Bethânia no grupo Doces Bárbaros, em 1976, Gal diz ser o período de que ela mais gosta. "É a coisa mais linda", afirma, derretida, a cantora. E lembra o reencontro do grupo, em 2002, quando foi gravado um DVD, depois do antológico álbum duplo de estreia.
"Nós temos uma coisa impressionante. Acho que é uma irmandade espiritual, embora cada um tenha nascido de uma família diferente. Mas a gente forma essa família espiritual, que é uma aura que nos une", conclui.
Disco a disco
Domingo (1967)
Com Caetano Veloso Com arranjos de Dori Caymmi, o disco tem canções de Caetano e Gil, além de Sidney Miller e Edu Lobo. O hit do álbum foi Coração vagabundo.
Gal Costa (1969)
Primeiro disco solo da cantora, além de Divino maravilhoso, tem Não identificado e Baby, de Caetano. O repertório inclui Se você pensa e Vou recomeçar, ambas de Roberto e Erasmo Carlos; e Sebastiana, de Jackson do Pandeiro, em dueto com Gil.
Gal (1969)
Considerado o mais psicodélico dos discos tropicalistas, marcou a fase em que a cantora se tonou porta-voz de Caetano e Gil, exilados políticos da ditadura. No repertório, pérolas como Cinema Olympia, de Caetano; País tropical, de Jorge Ben, e Meu nome é Gal, de Roberto e Erasmo Carlos.
Legal (1970)
De volta de viagem a Londres, onde visitou Caetano e Gil, a cantora trouxe na bagagem canções inéditas como London London, de Caetano, e Minimistério, de Gil. Há também visitações a clássicos de Zé Dantas (Acauã) e Geraldo Pereira (Falsa baiana).
Fa-Tal - Gal a todo vapor (1971)
Considerado o melhor disco de Gal Costa, o álbum duplo inclui um dos primeiros sucessos dos Novos Baianos: Dê um rolê. No repertório, canções do folclore baiano se misturam leituras de Geraldo Pereira (Falsa baiana) e Ismael Silva (Antonico) e a canções de Jorge Ben (Charles anjo 45), Roberto & Erasmo (Sua estupidez) e Caetano (Como 2 e 2, Coração vagabundo e Chuva, suor e cerveja). O hit foi Vapor barato, de Macalé e Wally.
Índia (1973)
Trazia no repertório clássicos como a faixa-título, e Volta, de Lupicínio Rodrigues, além de Presente cotidiano, de Luiz Melodia; Da maior importância, de Caetano; Pontos de luz, de Macalé e Wally Salomão; e Desafinado, de Tom Jobim.
Cantar (1974)
Depois de anos como diva tropicalista, Gal retoma a própria pegada neste álbum, que tem participação de João Donato. Gravou A rã e Flor de maracujá e Até quem sabe, com Lysias Ênio. E mais: Barato total, de Gilberto Gil; Lua, lua, lua, lua e Joia, de Caetano.
Gal canta Caymmi (1976)
Convidada por Daniel Filho paraprotagonizar a telenovela Gabriela, da Globo, Gal não aceitou, mas acabou gravando a Modinha para Gabriela, tema de abertura.
Gal Costa - Caras & bocas (1977)
Disco de entressafra, eclético, dançante e suingado, segundo a própria cantora. No repertório, Tigresa, de Caetano. Rita Lee, Jorge Ben e uma rara parceria de Caetano com Maria Bethânia também estão lá.
Água viva (1978)
Voltado para compositores de sua geração, o disco tem canções de Chico Buarque (Folhetim), Caetano (Mãe e A mulher), Gil (De onde vem o baião), Milton Nascimento (Paula e Bebeto e Cadê), Sueli Costa (Vida de artista) e Gonzaguinha (O gosto do amor).
Gal tropical (1979)
Estrela do verão carioca pelo show homônimo, Gal incorpora a diva. Meu nome é Gal, com acompanhamento da guitarra de Robertinho do Recife, era um dos grandes momentos do show, que gerou o sucesso carnavalesco Balancê, de João de Barro. Força estranha, de Caetano; Olha, de Roberto e Erasmo; e Juventude transviada, de Melodia, também integram o álbum.
Aquarela do Brasil (1980)
Segundo songbook da caixa, agora dedicado à obra de Ary Barroso, rendeu sucessos como Camisa amarela, Aquarela do Brasil e É luxo só. Canções das décadas de 1930 a 1960, embaladas por arranjos modernos de Perna Fróes e Roberto Menescal.
Fantasia (1981)
Depois do sucesso estrondoso de Gal tropical e Aquarela do Brasil, Gal estoura com a canção Festa do interior, de Moraes Moreira e Abel Silva. Guto Graça Mello, Lincoln Olivetti e Gilson Peranzetta assinaram os arranjos para Meu bem, meu mal, de Caetano; Canta Brasil, de David Nasser; e Faltando um pedaço e Açaí, de Djavan.
Minha voz (1982)
O disco seria originalmente intitulado Azul, por causa da canção de Djavan, mas a canção de Caetano, Minha voz, minha vida acabou responsável por batizar o trabalho, que levou Luz do sol e Dom de iludir, também de Caetano, para a trilha das novelas. Mais sucessos? Bloco do prazer, de Moraes Moreira, e Pegando fogo, de José M. de Abreu.
Baby Gal (1983)
O disco marcou a despedida de Gal do selo Philips (atualUniversal Music), depois de mais de 15 anos na gravadora. A banda Roupa Nova se responsabilizou pelas bases de sucessos como Mil perdões, de Chico; Sim ou não, de Djavan; e Baby, de Caetano.
Gal - Divina maravilhosa - 28 raridades
O álbum duplo, extra, na caixa, traz preciosidades como Dadá Maria e Bom dia, gravadas especialmente para o LP 3º Festival da Música Popular Brasileira - vol. 1, de 1967, a primeira em dueto com Renato Teixeira, a segunda com a assinatura de Gil e Nana Caymmi. Da trilha do filme Brasil ano 2000, de Walter Lima Jr., há Canção da moça.
A grande dama da música brasileira nunca foi só uma. São muitas. Gal Costa se reconhece em todas e tem o maior orgulho delas: da menina que (re)aprendeu a cantar com João Gilberto; da moça de cabelos revoltos que gritava como Janis Joplin; da musa tropicalista que fazia discos com Jards Macalé, Lanny Gordin e Rogério Duprat; da brejeira intérprete de Dorival Caymmi; da mulher de boca vermelha que, faceira, cantava o Brasil brasileiro de Ary Barroso; da estrela coberta de paetês, que, ao lado de Lincoln Olivetti, emplacava sucessos no rádio e na tevê. “Tudo o que fiz foi verdadeiro”, afirma a cantora, que acaba de completar 65 anos (no último dia 26) e ganhar uma caixa com 15 CDs remasterizados e uma coletânea dupla de raridades. No fim do ano, vem mais: um álbum de inéditas compostas por Caetano Veloso especialmente para ela.
Gal total, a caixa que chega às lojas pela Universal Music, é uma tremenda viagem organizada pelo pesquisador Marcelo Fróes. Começa em 1967, com Domingo, o LP de estreia que ela dividiu com Caetano, e segue até 1983, com Baby Gal, que marcou sua despedida da gravadora Philips e teve o Roupa Nova como banda de base. Entre um extremo e outro, há seis discos fundamentais para entender a cantora moderna (vá lá, divina, maravilhosa) que sempre foi referência para jovens vozes femininas: Gal Costa (1969), o primeiro solo, tropicalista; Gal (1969), o psicodélico; Legal (1970), aquele da língua do pê e capa de Hélio Oiticica; Fa-tal (1971), o registro do show arrebatador dirigido por Waly Salomão; o excelente Cantar (1974), produzido por Caetano, com João Donato ao piano; e Gal canta Caymmi (1976), belo tributo ao mestre baiano.
Os títulos são os melhores da carreira que começou há 45 anos — levando em conta o compacto lançado pela RCA em 1965, ainda como Maria Graça, com Eu vim da Bahia, de Gilberto Gil, de um lado, e Sim, foi você, de Caetano, do outro. “Esse compacto vendeu umas 70 cópias. E quem comprou todas foi meu ex-patrão”, ela conta, numa risada solta, lembrando os tempos em que era vendedora de loja de discos (“Eu amava aquele trabalho”) e ainda não exibia a cabeleira nem as roupas nada convencionais que lhe deram fama — e alguns problemas — nos anos 1970. “Ah, me chamavam de ‘piolho’ nas ruas, me olhavam como se eu fosse um ET.”
Olhando para o passado como uma roupa confortável — que ainda serve e ela quer usar —, Gal gosta da idade que tem e da bagagem que leva. “Me orgulho de tudo o que fiz: de cada roupa que vesti, de cada cabelo que usei, de cada canção que gravei”, afirma a cantora, que nunca teve (nem quis ter) postura militante, política, mas marcou época pelo comportamento. “Não atuei como revolucionária. Apenas vivi isso de maneira verdadeira, sendo irreverente, diferente do padrão da época. É uma coisa que está em mim, na minha maneira de ser. É o que sou.”
Agudos
Dividindo-se entre Salvador (onde mora com o filho Gabriel, hoje com 5 anos) e o Rio de Janeiro, onde grava o disco produzido por Caetano e Moreno Veloso (afilhado dela), Gal Costa sente-se jovem, cheia de energia. Diz que a maternidade a rejuvenesceu (“Era um sonho que eu tinha”) e que sua voz está plena, linda. (Modéstia para quê, a esta altura da vida?) “Minha voz é de criança, cristalina, reflete a minha alma, o meu espírito. Meus agudos permanecem, os meus graves são bonitos. Estou nova, inteira, cantando como nunca”, garante ela, que ultimamente tem feito mais shows fora do país e passado horas na internet.
Pois é, a grande dama do canto brasileiro adora jogar Farmville no Facebook. Tem uma fazenda na rede de relacionamentos, está no Twitter e garante que é ela mesma quem conversa com os fãs. “Gosto de saber o que as pessoas pensam, o que elas querem. Entro sempre (na internet), vejo os e-mails, leio jornal, ouço música, viajo, faço tudo a que tenho direito no computador. Adoro tecnologia.” De onde vem tanta modernidade? Ora. “Sou moderna porque sou moderna.”
GAL TOTAL
Caixa com 15 CDs gravados por Gal Costa entre 1967 e 1983 e uma coletânea dupla de raridades, com 28 faixas. Lançamento Universal. Preço médio: R$ 300.
Saiba mais sobre os 15 álbuns remasterizados e o CD duplo de raridades da caixa Gal Total
- Domingo (1967)
Gravado em parceria com Caetano Veloso e arranjos de Dori Caymmi, o disco – de estética bossanovista - começa com Coração vagabundo e traz mais sete canções de Caetano (Onde eu nasci passa um rio, Avarandado, Um dia, Domingo, Nenhuma dor, Remelexo e Quem me dera), além de Candeias (Edu Lobo), Minha senhora (Gilberto Gil e Torquato Neto) e Maria Joana (Sidney Miller).
- Gal Costa (1969)
Primeiro disco solo de Gal, é um clássico tropicalista. Com arranjos de Rogério Duprat, Gilberto Gil e do superguitarrista Lanny Gordin, tem cinco faixas de Caetano (Baby, Saudosismo, Não identificado, Lost in paradise e Divino, maravilhoso, esta em parceria com Gil), duas de Jorge Ben (Que pena e Deus é o amor), duas de Roberto e Erasmo (Se você pensa e Vou recomeçar). Completam o ótimo repertório o baião Sebastiana (Rosil Cavalcanti), A coisa mais linda que existe (Gil e Torquato Neto) e Namorinho de portão (Tom Zé).
- Gal (1969)
Lançado no mesmo ano do primeiro solo, Gal é mais elétrico, roqueiro e desabusado – o mais psicodélico dos discos tropicalistas. Rogério Duprat assina arranjos e direção musical. No baixo e nas guitarras, Lanny Gordin; no violão, Jards Macalé. No repertório, mais Caetano (Cinema Olympia, The empty boat), Jorge Ben (Tuareg, País tropical), Gilberto Gil (Cultura e civilização, Com medo, com Pedro, Objeto sim, objeto não), Roberto e Erasmo (Meu nome é Gal), Macalé e Capinam (Pulsars e quasars).
- Legal (1970)
Com capa de Hélio Oiticica, arranjos de base de Lanny Gordin e Jards Macalé (o pianista Chiquinho de Moraes cuidou dos arranjos de orquestra), é outro ótimo disco tropicalista. Aqui, as canções de Caetano (London, London, Deixa sangrar), Roberto e Erasmo (Eu sou terrível), Gil (Língua do P, Minimistério) e Macalé (Love, try and die, Hotel das estrelas, The archaic lonely star blues) juntam-se a Zé Dantas (Acauã) e Geraldo Pereira (Falsa baiana). Segundo Gal, é um de seus trabalhos mais “espontâneos”.
- Fa-tal – Gal a todo vapor (1971)
Registro de um show que a cantora fez no Rio, com direção de Waly Salomão, Fa-tal tem a cara daquele “verão do desbunde”. Caetano e Gil estavam no exílio em Londres, e Gal era a principal referência tropicalista, a musa da praia de Ipanema, das Dunas do Barato. Lanny Gordin assina a direção musical e as guitarras (Pepeu Gomes entrou depois). Entre as 19 faixas, duas maravilhas de Macalé e Waly Salomão (Mal secreto e Vapor barato), mais uma de Roberto e Erasmo (Sua estupidez), outra de Caetano (Como 2 e 2), Novos Baianos (Dê um role) e Luiz Melodia (Pérola negra). Excelente.
- Índia (1973)
Com direção musical de Gilberto Gil, Índia – que teve a capa censurada, por causa das fotos “ousadas” de Antônio Guerreiro -- vem de um show que Gal fez pelo Brasil e traz um time de primeira: Dominguinhos no acordeom, Toninho Horta na guitarra, Luiz Alves no contrabaixo, Roberto Silva na bateria, e Chico Batera na percussão. É um álbum de transição, que mistura temas do folclore (Milho verde), clássicos como Volta (Lupicínio Rodrigues) e Desafinado (Tom Jobim e Newton Mendonça) e novidades como Presente cotidiano (Luiz Melodia), a melhor das nove faixas.
- Cantar (1974)
O melhor disco da cantora (ao lado de Fa-tal) tem direção de Caetano Veloso e Perinho Albuquerque e a participação de João Donato, que toca piano e assina três das 11 faixas (A rã, Flor de maracujá e Até quem sabe). Caetano também comparece com Flor do cerrado, Lua, lua, lua e Joia; Jorge Mautner e Nelson Jacobina, com Lágrimas negras, e Gilberto Gil, com Barato total. Sofisticado, primoroso.
- Gal canta Caymmi (1976)
Com arranjos de João Donato e Perinho Albuquerque, é um belo tributo ao mestre Dorival Caymmi. O CD que está na caixa Gal Total vem com uma capa diferente porque o autor da arte original não teria se entendido com a gravadora – a parte boa é que traz de volta os atabaques cortados em reedições anteriores.
- Caras e bocas (1977)
Gal tenta novos caminhos neste disco eclético, de “entressafra”, como ela mesma diz. Entre as 10 faixas, há músicas de Rita Lee (Me recuso), Jorge Ben (Minha estrela é do Oriente), Péricles Cavalcanti (Clariô) e da estreante Marina (Meu doce amor). Negro amor, a versão que Caetano e Péricles fizeram para a canção de Bob Dylan, e Tigresa, de Caetano, são os maiores acertos do disco.
- Água viva (1978)
Álbum voltado para os compositores da geração de Gal, Caras & bocas reúne Chico Buarque (Folhetim), Gilberto Gil (De onde vem o baião) e Caetano Veloso (Mãe, A mulher e Paula e Bebeto, esta com Milton Nascimento). Também traz a bela O bem do mar, de Caymmi, Vida de artista (Sueli Costa e Abel Silva) e Olhos verdes (Vicente Paiva). É bom, mas ficou meio batido.
- Gal tropical (1979)
O disco foi gravado depois de uma bem-sucedida temporada de Gal no Teatro dos Quatro, no Rio, em janeiro de 1979. Coletânea de sucessos produzida por Guilherme Araújo e Roberto Menescal, traz entre as 12 faixas Força estranha (Caetano Veloso), Estrada do sol (Tom Jobim e Dolores Duran), Olha (Roberto e Erasmo Carlos), Juventude Transviada (Luiz Melodia) e Balancê (João de Barro e Alberto Ribeiro).
- Aquarela do Brasil (1980)
O empresário e produtor Guilherme Araújo sugeriu à cantora esse tributo a Ary Barroso, com 12 faixas selecionadas por Paulo Tapajós. Camisa amarela, Aquarela do Brasil, É luxo só e Jogada pelo mundo foram os maiores sucessos do álbum.
- Fantasia (1981)
Aqui, a estrela já é outra: aparece com vestido de paetês (na foto do encarte), produzida por Mariozinho Rocha e com arranjos de Lincoln Olivetti, Gilson Peranzzetta e Guto Graça Mello. Malvista pela crítica (muito por conta dos teclados de Olivetti), Gal cai de vez nas graças do público. Com músicas de Moraes Moreira (Festa do interior) e Djavan (Faltando um pedaço, Açaí) e Caetano (Meu bem, meu mal, Massa real, O amor), o disco foi um estouro de vendas.
- Minha voz (1982)
Azul, de Djavan, foi o grande hit do disco, que ainda conta com Bloco do prazer (de Moraes Moreira e Fausto Nilo) e três sucessos de Caetano: Luz do sol, Dom de iludir e Minha voz, minha vida. Mais um produzido por Mariozinho Rocha, com arranjos de Gilson Peranzzetta, Lincoln Olivetti, Eduardo Souto Neto e... Roupa Nova.
- Baby Gal (1983)
Álbum pop que marcou a saída da cantora da gravadora Philips, depois de mais de 15 anos, Baby Gal é outro da turma de Mariozinho Rocha/ Eduardo Souto Neto/ Roupa Nova. Nos teclados, César Camargo Mariano. A regravação de Baby com a participação do Roupa Nova fez muita gente chiar, e foi a faixa que mais marcou o LP, ao lado de Mil perdões (Chico Buarque).
- Divina, maravilhosa (2010)
O CD duplo traz 28 faixas raras, algumas delas inéditas, garimpadas pelo pesquisador Marcelo Fróes nos arquivos da gravadora Universal (que detém o acervo da Philips e da PolyGram). São registros de compactos, festivais, projetos especiais, participações em álbuns de outros artistas. De 1967, por exemplo, há duas faixas gravadas para a coletânea III Festival da Música Popular Brasileira vol. 1 — Dadá Maria (em dobradinha com Renato Teixeira) e Bom dia. De 1968, um dueto com Sidney Miller, Ora , acho que vou-me embora, lançado apenas em LP do compositor (Brasil, do Guarany ao Guaraná). Outros destaques são a versão original de Vapor barato, uma Clariô mais dançante, a bela Três da madrugada (de Torquato Neto e Carlos Pinto) e três pérolas pinçadas da trilha do filme Brasil ano 2000, de Walter Lima Jr.: Canção da moça, Moça de Neanderthal e Show de me esqueci. Dessas duas últimas, gravadas com Bruno Ferreira, Gal nem se lembrava mais.
Cantora tem os melhores álbuns relançados em caixa e prepara inédito
Os fãs saudosos, que se ressentem da ausência de Gal Costa nos palcos e nos discos, podem festejar. A grande cantora está de volta. Alguns dos melhores álbuns de sua carreira e um CD duplo de faixas raras (reunidos na caixa Gal Total), além de um disco de inéditas de Caetano Veloso, com produção dele e Moreno Veloso, recolocam a musa tropicalista no cenário brasileiro. Nos últimos anos, o fã-clube de Gal se dividiu entre a adoração dos eternamente devotos e os céticos, que oscilam entre a aceitação e o desdém, e ela tem feito mais shows fora do País do que aqui.
Seu álbum mais recente, Hoje, é de 2005, e como os anteriores na década não teve grande repercussão de público e crítica. Mas sua voz continua firme e penetrante, e ela, que completou 65 anos no dia 26 de setembro, está mais magra, animada e rejuvenescida, fala como se não sentisse tanto a passagem do tempo em certos aspectos. "Canto as músicas no mesmo tom em que gravei. Quando estava fazendo Hoje com César Camargo Mariano ele me dizia que minha voz parecia de uma menina", lembra a sorridente Maria da Graça.
Muitas estrelas da geração de Gal tem encontrado dificuldade em lidar com as mudanças de mercado, os esquemas de produção sem grandes luxos, decorrentes da crise das gravadoras e a decadência da venda de CDs. "Pra mim não é difícil alugar um estúdio e bancar um disco, existem várias formas. Durante alguns períodos da minha carreira houve uns hiatos. Quando fiz o Plural (1990) vinha de um tempo sem fazer nada, porque acho que isso é importante também. Você não tem de estar toda hora na mídia.É que hoje, com essa coisa de internet, globalização, isso tudo, se você fica um mês sem aparecer neguinho acha que você acabou", diz. "Eu estava trabalhando fora do Brasil, recebi muitos convites e fiz tudo o que quis. Fiz aqui também alguns eventos fechados."
No Brasil ou no exterior, Gal acha que a situação realmente é difícil para quem não faz música ultracomercial. "Hoje quase não tem mais loja de discos, nem aqui nem em Nova York. As pessoas estão meio perdidas. Além de as gravadoras não terem dinheiro, não sabem pra onde vai o mercado fonográfico, e quando investem é em coisas descartáveis. Há milhares de cantoras, americanas inclusive, feitas para fazer sucesso. Mas a gente viveu a era do sonho, e isso meio que acabou. Você ter uma bagagem de vida, de experiência, você ver uma pessoa vir no palco fazer uma coisa e ela trazer uma história ali - isso é que falta."
Vergonha
Quanto às rádios, que "tocavam tudo" - incluindo vários lados B de seus LPs e compactos incluídos na caixa, como Presente Cotidiano (Luiz Melodia) e De Amor Eu Morrerei (Dominguinhos/Anastácia) -, ela acha hoje "uma vergonha". "Antes tocavam até cinco músicas de um LP. Fantasia (1981) teve quatro sucessos de rádio. Hoje você tem de pagar R$ 300 mil pra uma música ser executada cinco vezes por dia em cada rádio. É o que me dizem. Que é isso, gente? Isso é cultura."
No Rio, há tempos ouvem-se rumores de que Gal havia recusado um convite de Chico Buarque para acompanhá-lo na turnê do CD Carioca e outro de João Gilberto para gravar um disco com ele. "Quem te falou essas coisas? Não sei de nada disso. Imagina se eu iria recusar convites de Chico e João, que eu amo", desconversa a cantora. Ela diz ainda que deseja um dia lançar em DVD o show Fa-tal, que foi gravado por Leon Hirszman. No mais, olhando no retrovisor, diz que se reconhece em todas as fases reunidas em Gal Total, sem arrependimento.
Um CD só com inéditas de Caetano
Gal Costa selou um impecável songbook de Dorival Caymmi, outro de Ary Barroso que dividiu opiniões, além de um álbum duplo ao vivo dedicado a Tom Jobim. Sugerida pelo repórter a gravar os baianos Assis Valente e Batatinha, ela diz que tinha pensado em mergulhar no cancioneiro de Valente. Mas nada mais natural e confortável que se dedique a cantar apenas Caetano Veloso, o autor de quem mais registrou canções e com quem mais tem afinidade. Gal concorre com Maria Bethânia nessa que é a mais intensa parceria entre cantora e compositor na história da música moderna brasileira, com uma infinidade de canções exclusivas e interpretações definitivas. "Caetano é quem melhor compõe pra mim e quem melhor me entende", diz Gal, que lançou o primeiro álbum em parceria com o conterrâneo, Domingo (1967), iniciou a carreira na Bahia e veio para São Paulo com ele, deflagrando o movimento tropicalista. Depois Caetano fez a direção musical do antológico Cantar (1974), mas antes já tinha dado sugestões para Índia (1973), que iria produzir. "Caetano já compôs seis canções e está fazendo o restante pra esse disco novo. Estive com Moreno na Bahia, pegamos as tonalidades, ficamos quatro horas juntos tocando violão e cantando. Que pessoa sensível e maravilhosa que ele é", diz a cantora. "O trabalho está bem no começo, então não tem muito o que falar." O CD sai pela Universal, sem previsão de data.
Sua Voz, Sua Vida, Da Maior Importância
Todos os discos que Gal Costa lançou pela Philips, hoje Universal, já tinham saído em CD. Mas a remasterização dos álbuns de Gal Total ficou bem boa e os álbuns trazem as fichas técnicas e todas as letras impressas nos encartes. É um testamento da fase mais brilhante da carreira da cantora, incluindo álbuns da maior importância, como o primeiro-solo, Gal Costa, e o experimental e psicodélico Gal (ambos de 1969), Legal (1970), Cantar (1974), Gal Canta Caymmi (1976), Água Viva (1978), Gal Tropical (1979) e o registro do show histórico Fa-tal - Gal a Todo Vapor (1971), em que repertório e desempenho compensam a má qualidade técnica da gravação.
No começo Gal cantava baixinho, influência de João Gilberto sobre ela e Caetano Veloso, com quem dividiu o delicado LP Domingo (1967). No primeiro-solo já expandiu seu canto e se abriu para experimentações - a faixa de abertura é Não Identificado (de Caetano, como a linda Baby), com tecladinho jovem-guarda, sons "espaciais" e letra falando de disco voador, iê-iê-iê romântico e anti-computador. Ecos da bossa nova vinham acompanhados de samba-rock de Jorge Ben, rocks de Roberto e Erasmo Carlos, xaxado de Jackson do Pandeiro com acento roqueiro, Tom Zé... Uau!
Atenta e forte, nos álbuns seguintes, Gal cresceu espontânea em gritos de protesto, aliada à força tropicalista de Rogério Duprat, Jards Macalé e Lanny Gordin num momento crucial da repressão política no Brasil, em que ela foi porta-voz dos exilados Caetano e Gilberto Gil, gravando clássicos deles. No primeiro LP ela já tinha trilhado esse caminho, registrando a emblemática Divino, Maravilhoso, da dupla.
A ousadia prosseguiu nas facetas expostas em Fa-Tal - show dirigido por Waly Salomão, com mais interpretações antológicas de obras-primas de Luiz Gonzaga, Ismael Silva, Caetano, Macalé, Luiz Melodia, Geraldo Pereira, Novos Baianos, Roberto e Erasmo... - e Índia (1973), que teve a capa censurada por exibir partes íntimas da cantora.
Maturidade
Gal Canta Caymmi é uma obra-prima, que sai com outra (bonita) capa, porque o autor da arte original não se entendeu com a gravadora. Em compensação, os toques de atabaques, que foram cortados nas reedições anteriores em CD, estão de volta, como no original. Puxado por Tigresa (Caetano), Caras & Bocas é um sofisticado álbum de transição e tem Marina Lima, Jorge Ben e Rita Lee inéditos e exclusivos.
Em Cantar predomina a musicalidade prazerosa de João Donato. Se em Água Viva (que inclui a comovente Mãe, de Caetano) ela sugeriu a sessão de fotos emergindo da água simbolizando um renascimento, é em Gal Tropical que a cantora madura desabrocha. Fantasia (1981), com as antológicas Faltando Um Pedaço (Djavan) e Festa do Interior (Moraes Moreira/Abel Silva) é a consagração da senhora Gal Costa, que prosseguiria no mesmo tom eclético em Minha Voz (1982) e no pop Baby Gal (1983) que fecha o box.
A compilação em CD duplo, Divina, Maravilhosa, ao contrário do que diz o texto de Marcelo Fróes, coordenador do projeto, tem uma minoria de faixas inéditas em CD. Mas tudo bem, tá valendo. Um dos destaques é a versão funk e rara de Clariô (Péricles Cavalcanti), mais dançante que a do álbum Caras e Bocas. Como curiosidade há três canções de Gilberto Gil para o filme Brasil Ano 2000, de Walter Lima Jr., e faixas extraídas de discos de festivais, ao vivo, coletâneas carnavalescas e outros de Sidney Miller, Torquato Neto, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso e Maria Bethânia, além de compactos. Entre eles o duplo que incluía Você Não Entende Nada (Caetano Veloso) e a versão original de Vapor Barato (Jards Macalé/Waly Salomão). Essa Gal é que rima bem com legal, fatal, tropical, plural, carnaval, atemporal, barato total.
Gal Total Caixa com 17 CDs de Gal Costa, de 1967 a 1983. Gravadora: Universal. Preço médio: R$ 290
Bom dia, flores do dia. Assim saúda Gal Costa, quase todas as manhãs, os seus seguidores no Twitter. A cantora, que completou 65 anos no último domingo (26), é uma assídua usuária do microblog. "Gosto de computador, tecnologia, amo tudo isso", contou ela ao UOL Música, destacando que "é bom estar em contato com as pessoas que gostam do meu trabalho". Gal refere-se aos quase 25 mil admiradores que acompanham seus comentários sobre o tempo, o estado da bateria de seu celular ou seus desejos de boa semana, bons sonhos e boa noite.
Em menos de 140 caracteres, a cantora fala também sobre "Gal Total", uma caixa com 15 discos seus de 1967 a 1983 remasterizados, mais um CD duplo de raridades e um livreto com textos históricos e depoimentos. "Acabei de ver a caixa 'Gal Total' numa loja de discos. Achei super bonita!", entusiasma-se no microblog ao escrever para as pessoas que gostam do seu trabalho. Só não há menção (ainda) sobre o show que ela faz nesta sexta-feira (01) em São Paulo, no Palácio de Convenções do Anhembi.
A apresentação, em esquema voz e violão, é uma releitura de seus grandes sucessos. "Eu Vim da Bahia", "Vatapá", "Meu Bem Meu Mal", "Folhetim", "Você Não Entende Nada" e "Festa do Interior" devem continuar no roteiro. Gal divide o palco apenas com Luiz Meira, músico catarinense com quem ela trabalha há 13 anos. O show é mais um passo que ela dá em direção à volta aos palcos brasileiros, depois de uma elogiada e bem-sucedida temporada pelos Estados Unidos e Canadá --uma de suas últimas apresentações em São Paulo foi ao lado da norte-americana Dionne Warwick, em maio do ano passado.
O show não traz novidades --seu último disco de estúdio foi "Hoje", lançado em 2005. De novo, apenas o álbum de inéditas que ela está preparando para 2011 com produção de Caetano Veloso. Mas sobre isso ela não fala. Em uma curta entrevista por e-mail, Gal Costa comentou sobre os anos que ficou ausente dos palcos brasileiros, fez um elogio a Caetano e revelou: "tenho dois perfis no Facebook".
UOL Música - Como é seu novo show em relação ao repertório? Canto canções que gravei ao longo da minha carreira. Sucessos do meu repertório.
UOL Música - Há algum tempo seus shows ficaram raros no país. Essa apresentação no Anhembi é uma volta efetiva aos palcos brasileiros? Sentiu saudade? Tenho trabalhado muito durante todos esses anos em que fiquei ausente dos palcos brasileiros. Cantei bastante no Brasil em shows fechados. Pra mim, estar no palco, seja no Japão ou na Europa, é sempre muito legal.
UOL Música - No seu site não há shows marcados na agenda. Você pensa em montar uma nova turnê? Não tenho mais agenda no meu site e ele está precisando ser atualizado. Ainda não tenho uma agenda já que estou começando a gravar um disco.
UOL Música - Sua turnê internacional foi bem recebida e elogiada lá fora. Já pensou em focar sua música no exterior e mudar para outro país? Como foi cantar para o público estrangeiro? Não preciso morar fora do Brasil para estar presente em outros países. Minha carreira internacional é fruto do que fiz ao longo da minha vida como cantora. Tenho cuidado dela.
UOL Música - O disco com Caetano já está encaminhado? O que você poderia adiantar sobre ele? Vai mostrar uma prévia desse trabalho no show em São Paulo? Não vou falar do disco que estou fazendo com Caetano, já que estamos no começo. Este show que farei no Anhembi não tem nada a ver com o novo trabalho.
UOL Música - Como é voltar a trabalhar com Caetano? Há novos compositores interessantes na música? É muito bom trabalhar com Caetano de novo!!!!
UOL Música - O que você ainda gostaria de fazer em sua carreira? Muitas coisas ainda por fazer. Sempre, sempre querendo mais.
UOL Música - Você se tornou usuária frequente do Twitter. Como isso tem funcionado para você, de compartilhar suas informações com tantas pessoas e de estar mais próxima dos fãs? Gosto de computador, tecnologia, amo tudo isso. Tenho também dois perfis no Facebook. É bom estar em contato com as pessoas que gostam do meu trabalho. Gosto disso.
UOL Música - Com sua presença no Twitter e do Facebook, você tem notado mais pessoas jovens na sua plateia? Não é por causa do Twitter que os jovens têm ido aos meus shows. Os jovens têm se interessado por minha música, têm todos os meus discos em vinil e conhecem minha carreira.