Novo CD de Gal Costa promete retomar antiga ousadia da cantora
Leonardo Lichote - Globo Online - 02/06/2005
RIO - Gal Costa está com CD novo no forno, pela Trama, com repertório focado basicamente em compositores novos. Banal, não é? Uma cantora prepara um CD e para isso, procura canções de sangue jovem.
Não, não é banal. E, se dessa forma a notícia parece não ter o impacto certo, vamos recapitular.
Nos 60, na linha de frente do tropicalismo, Gal personificava em sua voz o que era ser doce e bárbara ao mesmo tempo. Nos 70, com trabalhos como "Fa-tal" virou uma espécie de musa da contracultura infiltrada na cultura oficial. Até que nos anos 80 enveredou por um pop radiofônico pouco ambicioso. E mais, para fechar: em 2001, ela se tornou símbolo do reacionarismo dos medalhões da MPB e da indústria devido a uma suposta declaração sua de que não havia mais bons compositores jovens na música brasileira, justificando assim o repertório de releituras de seus discos. (Clique aqui e saiba o que Gal fala desse episódio)
É essa Gal que agora prepara na Trama - uma gravadora identificada com músicos "conceitualmente" jovens - um disco que lança luz sobre artistas pouco conhecidos, com produção de Cesar Camargo Mariano. O CD ainda não está definido, mas numa seleção inicial há nomes como Junio Barreto, Nuno Ramos e Lucas Santtana.
O novo disco promete ser o mais ousado de Gal em muitos anos - ao menos no repertório. Vejamos seus últimos lançamentos: "Gal Costa canta Tom Jobim", sobre a obra do maestro; "Gal de tantos amores", no qual regravou seus antigos sucessos; "Gal bossa tropical", coalhado de clássicos de artistas como Rita Lee, Caetano/Gil, Lennon/McCartney, Erasmo e Vinicius; e "Todas as coisas e eu", com ênfase em canções brasileiras feitas entre os anos 20 a 50.
Para o disco que está preparando, a cantora também tem à disposição novidades de seus antigos colaboradores. Caetano Veloso compôs uma música especialmente para ela. Chico Buarque e Zé Miguel Wisnik entregaram uma parceria que ela cantaria ainda na temporada de seu show anterior, "Todas as coisas e eu", mas que a dupla não conseguiu terminar a tempo. Chico fez a melodia, Wisnik fez a letra. Carlos Rennó, que ela também já havia gravado, entra no projeto com sua parceria com o africano Lokua Kanza. O músico, nascido no Congo, une a tradição africana ao pop e já trabalhou com Peter Gabriel, Youssou N´Dour, Chico César e Djavan.
Apesar de ainda não terem se afirmado perante o grande público, os compositores que Gal está prestes a "lançar" têm uma estrada. Nascido em Caruaru, Junio Barreto começou na carreira musical há 20 anos em Recife, com a banda Uzzo. Esteve próximo do movimento mangue bit no início dos anos 90, mas sem se envolver diretamente com ele. Em 2002 lançou um excelente disco, chamado simplesmente "Junio Barreto", no qual usou com originalidade o suingue de Jorge Ben em sambas doces e algo melancólicos. A faixa 6 do CD, "Santana", foi pinçada por Gal, que gravou-a com Cesar Camargo Mariano. O compositor também está na mira de Maria Rita, que selecionou uma música dele para seu segundo disco, com produção de Lenine.
O paulistano Nuno Ramos é mais conhecido por seu trabalho como artista plástico. Duas de suas músicas chamaram a atenção de Gal: "Jurei", parceria com Clima, e "Pra que cantar". Ambas foram gravadas pelo jovem artista Rômulo Fróes, outro que faz uma abordagem original do samba em sua obra. Lucas Santtana, que começou sua carreira solo em 2000 no CD "Eletro Ben Dodô", foi gravado por cantoras como Marisa Monte e Daniela Mercury. Em seu segundo disco, o ótimo "Parada de Lucas", ele lança seu olhar sobre o encontro da tecnologia com a pobreza, que gerou, entre outros, o funk carioca e o dub.
Funk, samba contemporâneo, afropop... Gal, que nunca deixou de ser doce, parece estar suficientemente munida de armas para voltar a exercer seu lado bárbaro.
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