Seu nome é Gal
Revista Visão - 24/01/1979
Por Joaquim Ferreira dos Santos
Material disponibilizado por Antonio Saldanha no Site Argentino.
Ainda. E agora, depois dos 30, muito melhor.
Por uma última vez, no ano passado, no show "Com a boca no Mundo", ainda se apresentou de guitarra em punho e roupa de couro justíssima, como se acabasse de pular da motocicleta transviada de Marlon Brando em "O selvagem".
Mas levou um tombo: fora de seu tempo, Gal era apenas uma triste nostálgica dos dias em que, aos gritos, libertou as cantoras brasileiras da rigidez técnica e dos bons modos em cena.
Seja pelos 33 anos, seja pela psicanálise diária, a verdade mais evidente do atual show GAL TROPICAL (Teatro dos Quatro, Rio de Janeiro) é que a guerrilheira dos anos 60, a proclamar a criatividade e o poder dos jovens, convenceu-se de que há também beleza na maturidade. E parece feliz, de bem com todos. Acabaram-se os excessos cênicos, a platéia é agora um grupo de amigos que se procura agradar - Gal quer ser profissional. E consegue: poucas vezes apresentou-se no palcos da cidade, reino de amadores esforçados, algo tão curioso e bonito.
Respirando fundo - Às vezes sutil, essa maturidade se reflete na sensualidade, que não desapareceu, mas mudou. Gal continua bonita, sorri dengosa, surge no palco por uma escada negra de frisos coloridos em neon e veste-se com uma rumbeira cor de abóbora, que gentilmente permite a visão de suas coxas. Não há mais, porém, banquinhos destinados a posições maliciosas nem encenações tipo "olha como eu sou gostosa". Também na interpretação percebem-se sinais de evolução: por sapato alto 7,5 e uma Gal com 49 kilos, 12 a menos que em 1968. A impressão é a de que vai começar um bom show de Carlos Machado na boate Night and Day. Como cenário, colocaram-se apenas sete palmeiras sobre um fundo negro. "O importante é a alegria", reconhece o empresário e agora também diretor Guilherme Araújo, 44 anos. "Não tive medo de clichês",
Antes de tudo, iniciando a apresentação, corta a cena o pandeirista Zizinho, solando com o mesmo charme sorridente dos sambistas de Sargentelli. Gal Costa, ex-musa tropicalista, acompanhada por músicos de escola de samba carioca? "Ela nunca tinha ocupado esse espaço do samba assim tão marcado, eu achei que ficava bem com a nova imagem", diz Guilherme Araújo. Mas as surpresas seguirão até o final, neste show cheio de outras exaltações à música brasileira. Gal sempre gostou de Janis Joplin, Billie Holiday, mas dessa vez, fez reverência mais as nossas grandes intérpretes: do repertório de Carmen Miranda, Gal brinca com os graves da primeira parte da marchinha "Balancê", da dupla de ouro dos carnavais, Braguinha e Alberto Ribeiro. Passa por Dalva de Oliveira, discotecando "Olhos verdes", de Vicente Paiva. Do repertório de Emilinha Borba canta o bolero "Dez Anos".
Irresistível - Em cada uma dessas músicas, Gal deixa claro ter superado qualquer desequilíbrio entre a técnica e emoção. "Olha", de Roberto Carlos, transforma-se de repente, para horror de alguns, em "Folhetim", de Chico Buarque, cantado como se Gal, escorada num poste da Lapa, imitasse as tristes contorções de alguma decaída desesperada. Consegue ser eficiente. Em "Força Estranha", de Caetano Veloso, o mistério do ato de criar é cantado junto aos que cultuam a beleza - tudo muito simples, mas armado com evidente carinho. A luz pulsa colorida nos ritmos fortes e esfria exata nos climas românticos. No bom conjunto de músicos, dois ritmistas distribuem alegria traçando coreografias ingênuas.
O final é irresistível: já com uma nova roupa prateada coberta de féricas lâminas aluminizadas, guitarra e cantora imitam-se mutuamente em "Meu nome é Gal", lento blues de início que estoura em violenta batucada.
De novo sambista, os braços levantados no alto da escada, Gal evoca Virgínia Lane cercada de batuqueiros em saudação. Louvam como o público, nesse momento de pé, a madura felicidade de uma artista que renasce em paz com seu tempo.
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