Imagens: Domingo (Gal Costa e Caetano Veloso)
Em 1967, para lançar "Domingo"  (disco de estréia de Gal e Caetano) ela mantinha a postura bossanovista:  banco, contenção e violão
Release
Transcrição do Release do álbum 'Domingo' de 1967
Por Caetano Veloso
 I
Gal participa dessa qualidade misteriosa que habita os raros grandes  cantores de samba: a capacidade de inovar, de violentar o gosto  contemporâneo, lançando o samba para o futuro, com a espontaneidade de  quem relembra velhas musiquinhas. Por isto eu considero necessária a sua  presença nesse disco em que se registra uma fase do meu trabalho em  música popular, algumas das canções que eu fiz até agora. Por isso, e  também porque desde a Bahia que nós cantamos juntos, desde lá que ela  faz com que meus sambas existam de verdade. Não há defasagem de tempo  entre a composição e o canto: cada interpretação sua tem a mesma idade  da canção. Todas as minhas músicas que aparecem aqui foram feitas jnto  dela e um pouco por ela também. Ouso considerá-la como parte integrante  do meu processo de criação: este é um disco de "Gal interpretando  Caetano" mesmo nas faixas em que ela canta músicas de outros autores ou  quando sou eu mesmo quem canta as minhas. Gal cantando o que quer que  ela goste, isso já é minha música, e quando eu canto ela está presente. O  seu canto (como o de Gil ou o de Bethânia) tem sido sempre meu  parceiro.
II
Eu gosto muito de cantar. Mas jamais consegui gostar muito de cantar as  minhas composições. Um velho baião, uma canção antiga, o último samba de  um amigo, isso é bom de cantar: u'a música que eu mesmo tenha inventado  me parece informe pela proximidade e eu desconfio de tudo que escrevi.  Neste disco estou enfrentando uma experiência nova: ouço essas coisas  que fiz transformadas em música por Dori, Menescal e Francis e procuro  amá-las despreocupadamente, tento aceitá-las como prontas (não há mais  como compô-las): cantar as músicas que eles me devolveram, não aquilo  que eu lhes dei.
III
Acho que cheguei a gostar de cantar essas músicas porque minha  inspiração está tendendo para caminhos muito diferentes dos que segui  até aqui. Algumas canções deste disco são recentes ("Um dia", por  exemplo), mas eu já posso vê-las todas de uma distância que permite  simplesmente gostar ou não gostar, como de qualquer canção. A minha  inspiração não quer mais viver apenas da nostalgia de tempos e lugares,  ao contrário, quer incorporar essa saudade num projeto de futuro. Aqui  está - acredito que gravei esse disco na hora certa: minha inquietude de  agora me põe mais à vontade diante do que já fiz e não tenho vergonha  de nenhuma palavra, de nenhuma nota. Quero apenas poder dizer  tranqüilamente que o risco de beleza que este disco possa correr se deve  a Gal, Dori, Francis, Edu Lobo, Menescal, Sidney Miller, Gil, Torquato,  Célio, e também, mais longe, a Duda, a seu Zezinho Veloso, a Hercília, a  Chico Mota, às meninas de Dona Morena, a Dó, a Nossa Senhora da  Purificação e a Lambreta.


 
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